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19 . 10 . 2020

O Potencial Efeito Cognitivo das Estatinas

As estatinas são uma classe de fármacos utilizada no controlo dos níveis de colesterol e tratamento das doenças cardiovasculares. Dada a prevalência da doença cardiovascular, não é de estranhar que sejam das drogas mais prescritas no mundo.

Todas os agentes farmacêuticos (e muitos dos nutracêuticos e produtos de fitoterapia) têm potenciais efeitos adversos, cabendo ao clínico informar os pacientes dos mesmos, de forma a poder ser tomada uma decisão informada. Frequentemente, são decisões difíceis porque existem vantagens e desvantagens inerentes à utilização de uma dada droga.

Como funcionam as estatinas?

Nos anos 80, a lovastatina foi a primeira estatina a ser comercializada, marcando uma nova era no tratamento da doença cardiovascular. Estas drogas inibem uma enzima chave na síntese de colesterol – a HMG-CoA-Reductase. Desta forma, as estatinas diminuem a produção de colesterol a nível celular, o que por sua vez diminui a quantidade de colesterol que circula no sangue, dentro das lipoproteínas (proteínas plasmáticas que têm como função o transporte de lípidos no sangue). Assumindo que concentrações elevadas de lipoproteínas no sangue (particularmente as LDL – Low Density Lipoproteins) contribuem para o aumento do risco cardiovascular, as estatinas são então um poderoso aliado no tratamento e prevenção destas doenças.

Fig. 1 – Etapas bioquímicas da produção de colesterol. A enzima HMG-CoA reductase é a enzima chave no processo, e o alvo das estatinas.

 

Quais são os efeitos secundários das estatinas mais conhecidos?

Além de reacções mais inespecíficas, como problemas digestivos, dores de cabeça e insónias, os pacientes referem com alguma frequência (5-10%, de acordo com as estimativas) o aparecimento de dores musculares como efeito secundário do uso de estatinas. Em casos mais graves, pode existir mesmo rabdomiólise (destruição de tecido muscular). Não é totalmente conhecido o mecanismo por trás destas mialgias, mas pensa-se que possa estar relacionado com o défice de produção de coenzima Q10. Efectivamente, a coenzima Q10 é produzida a partir do mevalonato, pelo que as estatinas também interferem na sua concentração a nível celular. A coenzima Q10 desempenha um papel fundamental na produção de energia nas células, mais particularmente nas mitocôndrias, além de também proteger contra o stress oxidativo.

As estatinas podem causar efeitos secundários a nível cognitivo?

Este tópico não é consensual na comunidade científica, havendo estudos com resultados díspares. Contudo, a suspeição clínica é bastante elevada, de tal forma que a FDA (agência americana que controla a segurança dos agentes farmacêuticos) incluiu, em 2016, um aviso referente à possibilidade de efeitos secundários cognitivos (perda de memória, confusão, etc.) associados ao uso de estatinas (1). Uma revisão da literatura de 2019, analisou os estudos publicados entre 1992 e 2018, em que se tentou investigar a possível relação entre a toma de estatinas e sintomas de declínio cognitivo (2). Os achados foram discordantes, havendo estudos que sugerem uma associação positiva, enquanto outros não. No entanto, os autores da revisão, salientam o uso de testes de avaliação cognitiva pouco fidedignos em grande parte dos estudos, o que poderá ter conduzido a uma subestimação dos potencias efeitos adversos. Quando existem efeitos adversos cognitivos, estes tendem a reverter com a cessação da estatina.

Como podem as estatinas interferir com a função cognitiva?

São propostos dois mecanismos interessantes para explicar o potencial efeito das estatinas a nível cognitivo:

  • o défice de coenzima Q10, acima descrito, pode interferir com a capacidade de produção de energia a nível dos neurónios. Ainda não existe evidência de que a suplementação com coenzima Q10 possa amenizar os ditos sintomas cognitivos.
  • interferência na produção de mielina, que assegura a protecção dos neurónios e a adequada condução dos estímulos nervosos. O colesterol é um dos mais importantes constituintes da mielina, pelo que a sua redução possa interferir com a síntese de mielina.

Fig. 2 – Os axónios são o prolongamento dos neurónios, que possibilitam a comunicação e transmissão de impulsos nervosos. A bainha de mielina é uma camada de gordura que protege e isola o circuito neuronal.

 

Todo o colesterol é mau?

Além de ser parte integrante das bainhas de mielina, o colesterol desempenha muitas funções importantes no organismo, e não existe apenas para se depositar na parede das artérias e provocar doença cardiovascular. Existe uma corrente actual na Cardiologia, defendendo que o colesterol das LDL (a classe de lipoproteínas geralmente chamada de “mau colesterol”) deve ser  o mais baixo possível, especialmente quando já existe doença cardiovascular. Embora esta teoria possa estar correcta do ponto de vista cardiovascular, não devemos esquecer todas os processos fisiológicos em que o colesterol participa, como por exemplo:

  • parte integrante de todas as membranas celulares, contribuindo para a sua mobilidade e função;
  • expressão de receptores de neurotransmissores;
  • síntese de hormonas esteróides (cortisol, hormonas sexuais, etc.);
  • síntese de ácidos biliares, no fígado.

As estatinas são uma classe de fármacos com grande utilidade terapêutica na doença cardiovascular. Contudo, fruto da sua interferência na síntese de colesterol e outros compostos, como a coenzima Q10, acarretam potenciais efeitos adversos a diferentes níveis. Os sintomas de declínio cognitivo podem ser difíceis de valorizar, particularmente na população idosa, sendo fundamental haver algum grau de suspeição clínica.

Referências:

1. https://www.fda.gov/drugs/drug-safety-and-availability/fda-drug-safety-communication-important-safety-label-changes-cholesterol-lowering-statin-drugs

2. Tan B, Rosenfeldt F, Ou R, Stough C. Evidence and mechanisms for statin-induced cognitive decline. Expert Review of Clinical Pharmacology. 2019 Apr 27:1-10.

05 Comments

Gostei muito das informaçoes q
partilhou. Obrigada .
M José.

Obrigado pelo interesse.

Dr. Eu estou em tratamento no posto de saúde á mais de 3 anos, e o Colesterol não reduz ao contrario só aumenta e o medico por sua vez aumenta o remédio, nunca solicitou o exame lipoproteína nem indicou suplementos.

Neste caso posso parar de tomar o remédio pois tenho dores horríveis nas juntas e insônia
Sou de SP
Tenho 59 anos
.

Bom dia.
Não conheço o seu caso em detalhe, mas deve ser analisada uma possível componente genética do seu problema.
E deve tentar optimizar a dieta e estilo de vida, em paralelo com a medicação.
As melhoras

no meu estudo cientíco de amostragem N=1 😉 o efeito negativo das estatinas no sistema muscular e cognitivo foi clarissimo, evidente, notório e gravoso !!
Assim que parei com elas… ao fim de alguns meses já estava no meu nível de performance “normal” !!
Dou graças ao livro “The Great Cholesterol Myth” do Dr, Stephen Sinatra por ter percebido esse efeito, caso contrário estaria hoje nos meus 50 simplesmete “acabado” fisica e cognitivamente” !!

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