MENU

Blog.

08 . 08 . 2018

A Neurobiologia do Apetite - parte II

Na primeira parte deste artigo, ficámos a conhecer os circuitos instintivos e inconscientes que influenciam o nosso comportamento alimentar, muitas vezes sabotando o esforço consciente para perder peso. Qual a importância de identificar estes processos inconscientes, reforçados ao longo de milhares de anos de pressões evolutivas sobre a espécie humana?

Apesar de terem sido fundamentais para a preservação da espécie, os mecanismos inconscientes que nos levam a procurar e armazenar calorias já não estão alinhados com o ambiente actual em que vivemos, onde há abundância de alimentos processados à nossa disposição a qualquer momento. A ideia é alterar, de forma consciente, a informação que chega ao nosso cérebro instintivo, para que o resultado final vá ao encontro do nosso propósito.

O sucesso da batalha contra a obesidade passará, inevitavelmente, por medidas de saúde pública, em larga escala, que dificultem o acesso a alimentos altamente processados, especialmente “desenhados” para serem consumidos em excesso e escapar aos mecanismos de controlo do apetite. Medidas como a taxação de certos produtos alimentares, a restrição da publicidade e o investimento na educação, especialmente das gerações mais novas, parecem ser passos lógicos a tomar.

 

A ideia é alterar, de forma consciente, a informação que chega ao nosso cérebro instintivo, para que o resultado vá ao encontro do nosso propósito.”

 

Contudo, aqui vamos focar-nos numa perspectiva mais individual. O que pode cada um de nós fazer, para promover um comportamento alimentar mais saudável que conduza à perda de peso?

  • Criar um ambiente alimentar saudável – se estivermos rodeados de alimentos que estimulam os nossos impulsos para comer em demasia, vai ser mais difícil controlá-los. Assim, devemos remover estes tipo de alimentos (bolachas, batata fritas, gelados, chocolates, doces, etc.) do nosso ambiente, em casa e no trabalho. Idealmente, os alimentos disponíveis não devem estar à vista, e oferecer algum “obstáculo” à sua ingestão, como por exemplo uma peça de fruta que tem de ser descascada ou algo que tenha de ser cozinhado. O objectivo é enviar, ao cérebro, a mensagem de que não há abundância de comida à nossa volta.
  • Controlar o apetite – se o nosso cérebro “pensar” que estamos a passar fome, vai activar os mecanismos que levam ao aumento de ingestão calórica e, provavelmente, suplantar a nossa força de vontade. Para contrariar esta mensagem, deve-se recorrer a alimentos que induzam a sensação de saciedade, de forma mais eficaz. Por norma, estes são pouco densos caloricamente (maior volume para um mesmo número de calorias), têm maior conteúdo de fibra e/ou proteína e palatabilidade moderada (quanto mais saboroso for um alimento, mais vamos conseguir comer até atingir a saciedade). Do ponto de vista prático, esta é uma dieta constituída por alimentos simples, no seu estado natural, como carne e peixe fresco, vegetais, fruta, ovos, tubérculos e cereais não refinados (evitar o pão que é muito denso caloricamente e preferir flocos de aveia, por exemplo).

 

blog-dr.daniel-leal-neurobiologia-apetite-batata-branca

A batata é um dos alimentos que mais induz a sensação de saciedade.

 

  • Manter as refeições relativamente simples – limitar cada refeição a 3-4 diferentes alimentos ajuda a diminuir a ingestão calórica, uma vez que os receptores para a saciedade são específicos para diferentes sabores e, se provarmos vários sabores, à mesma refeição, temos tendência a comer mais (este fenómeno é designado por “efeito buffet”). Caso não passemos sem uma sobremesa, de vez em quando, a melhor opção é uma peça de fruta.
  • Estar atento à recompensa neuronal dos alimentos – o nosso cérebro valoriza muito alimentos caloricamente densos, que contêm combinações de gorduras, açúcares, proteínas e sal, e há uma libertação de dopamina quando os ingerimos, o que pode criar um comportamento aditivo. Há que ter bastante cuidado com estes alimentos muito estimulantes, a que os nossos antepassados nunca tiveram acesso na Natureza. Cada um de nós, deve identificar quais são os seus “vícios” alimentares e tentar evitar a sua ingestão.
  • Não misturar substâncias aditivas com calorias extra – substâncias como a cafeína, o álcool e a teobromina (presente no chocolate) são naturalmente estimulantes, e o seu consumo activa as vias de recompensa neuronal. Se associarmos calorias a estas substâncias, estamos a potenciar ainda mais o efeito. Assim, caso sintamos necessidade de ingerir estes estimulantes, não devemos misturá-los com açúcares ou gorduras.
  • Manter um horário estável de refeições e evitar snacks – comer à mesma hora ajuda a estabilizar o nosso ritmo circadiano e a optimizar a digestão. Excepto em pessoas com problemas na regulação da glicémia (diabetes e hipoglicémias), três refeições diárias são suficientes para uma nutrição adequada. Os snacks entre as refeições contribuem para o aumento do aporte energético diário e o seu consumo não deve ser habitual.
  • Tornar o sono prioritário – a quantidade e qualidade de horas de sono são factores fundamentais no controlo da obesidade, estando provado que a restrição do mesmo conduz ao aumento da ingestão calórica diária e à preferência por alimentos caloricamente densos. A duração ideal do sono varia entre indivíduos (algures entre 7 e 9 horas) mas deve ser reparador e respeitar o ritmo circadiano, de preferência com horários semelhantes todas as noites.

 

blog-dr.daniel-leal-neurobiologia-apetite-sono

O sono é fundamental para o sucesso da perda de peso, tal como para muitos outros processos fisiológicos.

 

  • Manter uma actividade física regular – há duas formas através da qual a actividade física nos ajuda a perder peso: o dispêndio de calorias que lhe está inerente e, a longo prazo, a manutenção do lipóstato regulado para um nível mais baixo de adiposidade corporal. Do ponto de vista evolutivo, o nosso estilo de vida sedentário é completamente “estranho” e devemos contrariá-lo ao máximo. Actividades variadas como caminhar, nadar, andar de bicicleta, treino de força, entre muitas outras são encorajadas, se possível diariamente. Algo simples como ir a pé, ou de bicicleta, para o trabalho pode fazer uma grande diferença na perda de peso.
  • Minimizar os efeitos do stress no organismo – muitos de nós estamos sujeitos a várias formas de stress no nosso dia-a-dia, e nem todos somos capazes de evitar os efeitos deletérios que pode trazer para a nossa saúde, incluindo o aumento de peso. Práticas como a meditação, o Yoga e o Tai Chi são formas valiosas de ajudar a diminuir os efeitos nocivos do stress. Também é importante identificar certos padrões de pensamentos ruminativos, que não nos servem, e procurar reformulá-los. Em última instância, limpar o nosso ambiente de alimentos altamente gratificantes, aos quais tendemos a recorrer em situações de stress.

Todos nós somos únicos do ponto de vista neurológico e bioquímico e, como tal, precisaremos de ajustes diferentes ao nosso estilo de vida. Contudo, espero ter-vos passado a ideia de que a perda de peso é um assunto mais complexo do que é, por vezes, publicitado, envolvendo mecanismos inconscientes que o cérebro humano “aprendeu” ao longo de milhares de anos para manter a espécie viva. Com a informação de que dispomos actualmente, podemos delinear estratégias para alinhar os nossos impulsos inconscientes com o objectivo de atingir e manter um peso saudável.

 

Referências:

Guyenet, SJ. The hungry brain : outsmarting the instincts that make us overeat. Flatiron Books, 2017.

Whiten, A. Forever Fat Loss: Escape the Low Calorie and Low Carb Diet Traps and Achieve Effortless and Permanent Fat Loss by Working with Your Biology Instead of Against It. Archangel Ink, 2014

Lutter, Michael, and Eric J. Nestler. Homeostatic and Hedonic Signals Interact in the Regulation of Food Intake. The Journal of Nutrition 139.3 (2009): 629–632.

DEIXE UMA RESPOSTA