21 . 05 . 2020
Síndrome do Ovário Poliquístico - Como tratar? - Parte II
No último artigo explorámos os diversos factores que contribuem para o excesso de hormonas masculinas e irregularidade de ciclos menstruais, que caracterizam a Síndrome do Ovário Poliquístico (SOP). Este artigo incidirá sobre as opções terapêuticas à nossa disposição, quer do ponto de vista convencional, como mais natural.
Como vimos anteriormente, existem quatro categorias principais da SOP, e cada uma tem diferentes factores desencadeantes, apesar de poder haver alguma interposição. Faz sentido que a abordagem terapêutica também seja direccionada para o desequilíbrio de base. Contudo, do ponto de vista convencional não existe uma grande individualização terapêutica, e a maior parte dos casos da SOP são tratados da mesma forma.
Qual é o tratamento convencional da SOP?
Geralmente, o tratamento da SOP é direccionado aos sintomas decorrentes do excesso de androgénios, e assenta nas seguintes categorias de fármacos:
- Pílula contraceptiva – estas drogas são utilizadas para “regular” o período. Os contraceptivos orais bloqueiam a comunicação entre a hipófise e os ovários e promovem uma hemorragia mensal (se a mulher interromper a toma mensalmente), que não corresponde a um verdadeiro ciclo menstrual, no entanto. Ou seja, a pílula pode restaurar uma hemorragia mensal e evitar a proliferação excessiva do endométrio (revestimento do útero), mas não corrige o problema de base, podendo até agravá-lo, já que está associada a uma diminuição da sensibilidade à insulina (1). Algumas pílulas também têm um efeito anti-androgénico e ajudam no controlo do acne e hirsutismo, típico da SOP.
- Progestinas ou progesterona micronizada – nas mulheres com ausência de períodos, que não tomem a pílula, estas drogas são utilizadas, de forma cíclica, para induzir uma hemorragia uterina e, assim, prevenir um desenvolvimento excessivo do endométrio, que aumenta o risco de cancro no futuro.
- Anti-androgénios – drogas especificamente destinadas a bloquear os receptores de hormonas sexuais masculinas (espironolactona, por exemplo) e assim diminuir os seus efeitos, como o acne, hirsutismo e alopécia.
- Metformina – fármaco utilizado no tratamento da diabetes, que aumenta a sensibilidade à insulina. Esta é uma forma de diminuir a resistência à insulina, que é um dos factores promotores da SOP.
O que mais pode ser feito para tratar a SOP?
O foco do tratamento deve ser a reversão do desequilíbrio subjacente, para que a mulher possa restabelecer os seus ciclos ovulatórios normais e, assim, produzir as suas próprias hormonas (especificamente a progesterona) de forma natural, retirando daí dividendos a vários níveis. Analisaremos então as opções terapêuticas para os diferentes tipos de SOP, começando sempre pela dieta e estilo de vida.
1. SOP devido a resistência à insulina
Aqui o objectivo é aumentar a sensibilidade à insulina, o que permite ao organismo manter os níveis de glicémia estáveis. As ferramentas mais úteis para atingir este propósito são:
- Dieta baixa em açúcar e hidratos de carbono refinados– Os hidratos de carbono não devem ser completamente retirados da dieta, mas devem provir de fontes não processadas (ex: batata, batata-doce, etc.). Se houver excesso de peso, a perda de peso é fundamental e um bom marcador de que a sensibilidade à insulina está a aumentar.
- Diminuir a carga inflamatória da dieta – alimentos processados, fritos, gordura saturada e glúten devem ser evitados. Pode ser benéfico um período sem lacticínios, também.
- Exercício físico – tanto o treino de força como o exercício aeróbio são benéficos, pois aumentam a avidez do tecido muscular para a glicose.
Fig. 1 – O exercício físico é uma ferramenta essencial na reversão da resistência à insulina.
Alguns nutrientes e agentes fitoterapêuticos também têm utilidade na promoção da sensibilidade à insulina e restauração dos ciclos menstruais, como os seguintes:
- Magnésio – mineral que funciona como cofactor em inúmeras reacções enzimáticas no organismo (2).
- Ácido alfa-lipóico – substância presente nos alimentos mas também produzida no nosso corpo, que tem uma importante acção antioxidante e na produção de energia celular. Ajuda a melhorar a sensibilidade à insulina e no desenvolvimento saudável dos folículos no ovário (3).
-
Mio-Inositol – mensageiro intracelular que promove o sinal da insulina e suporta a ovulação (4).
- Vitamina D – a popular hormona que obtemos a partir da exposição solar. A sua suplementação melhora a resistência à insulina e diminui os níveis de androgénios em mulheres com SOP (5).
- Berberina – fitonutriente presente em diversas plantas, que tem um efeito comparável à metformina em vários estudos (6).
A resistência à insulina tem outras consequências nefastas no organismo, como o aumento do risco de doença cardiovascular, pelo que a sua regularização é muito importante.
2. SOP após interrupção da pílula
Este é um problema transitório decorrente da interferência da pílula na comunicação entre a hipófise e os ovários, que tende a resolver-se com o tempo. É importante assegurar um aporte de nutrientes adequado nesta fase, através de uma dieta equilibrada. Se também houver evidência de resistência à insulina, então os açúcares e hidratos de carbono refinados devem ser limitados, como vimos acima.
Os seguintes suplementos podem ajudar a acelerar a normalização do ciclo ovulatório:
- Zinco – a pílula contraceptiva tende a causar deficiências deste mineral. O zinco tem uma função importante no suporte da ovulação e diminui a produção de androgénios nas mulheres com SOP (7).
- Extracto de peónia e alcaçuz – combinação utilizada na fitoterapia chinesa, que ajuda a normalizar as hormonas hipofisárias e a diminuir a produção de androgénios (8).
3. SOP devido a inflamação
Nestas pacientes, é fundamental descobrir o foco de inflamação e tentar controlá-lo. O tracto digestivo é, muitas vezes, uma fonte de inflamação silenciosa, devendo ser descartadas potenciais alterações da flora intestinal e intolerâncias alimentares, que possam condicionar o sistema imunitário.
No que toca a suplementos, os minerais zinco e magnésio podem ajudar a reduzir a inflamação. Outros nutrientes a considerar são:
- N-Acetilcisteína – tem um efeito anti-inflamatório e ajuda na desintoxicação de toxinas ambientais, através do glutatião. Em estudos da SOP, teve um efeito superior a placebo na normalização da ovulação (9).
- Melatonina – hormona produzida pela glândula pineal que tem um papel central na regulação do ritmo circadiano. Tem, também, um efeito antioxidante e protector nos folículos do ovário, ajudando a regular a ovulação em mulheres com SOP (10).
Fig.2 – Desequilíbrios da flora intestinal podem causar inflamação sistémica.
4. SOP devido a excesso de produção de androgénios nas glândulas supra-renais
Nesta categoria incluem-se as pacientes em que existe uma resposta exagerada das glândulas supra-renais, no que toca à produção de androgénios, ao estímulo da hipófise através da hormona adrenocorticotrófica (ACTH).
Simplificando, situações de stress, no sentido lato da palavra e não apenas limitado ao stress psicológico, promovem a libertação de ACTH pela hipófise. Portanto, medidas que podem ajudar a diminuir o “estado de alerta no cérebro” e consequente estimulação de ACTH, devem ser seguidas, com especial incidência no estilo de vida:
- estratégias de controlo do stress psicológico – muitas vezes as fontes de stress não são evitáveis, mas existem práticas que ajudam a controlar os seus efeitos. Por exemplo, as práticas de meditação podem ajudar a diminuir os níveis de ACTH (11). Basicamente, tudo o que retirar o cérebro do estado de hipervigilância pode ser benéfico neste capítulo.
-
prioritizar o sono – o défice de horas de sono afecta a fisiologia de muitas formas. O corpo interpreta a falta se sono como um potencial sinal de perigo e activa os seus métodos de “sobrevivência”. Um desses métodos é, precisamente, o aumento de ACTH (12).
- dieta equilibrada e exercício (sem excessos) – os outros pilares de um estilo saudável também promovem níveis adequados de ACTH. Contudo, no que toca ao exercício, devem ser evitadas práticas muito intensas, pois tais podem levar a uma resposta de aumento de stress.
- suplementos que aumentam a actividade inibitória do neurotransmissor GABA no cérebro, também podem ser benéficos, caso haja uma componente significativa de stress e ansiedade. Aqui, incluem-se a vitamina B6, magnésio, taurina e L-teanina, entre outros.
Foram apresentadas várias soluções terapêuticas, de entre as quais será sensato escolher apenas algumas. A prioridade deve ser entender o desequilíbrio de cada paciente, que está a resultar em hormonas masculinas em excesso, e tentar equilibrar os processos metabólicos. Concomitantemente, podem ser utilizados tratamentos sintomáticos que visam diminuir os efeitos do excesso de androgénios.
Referências:
- Adeniji AA, Essah PA, Nestler JE, Cheang KI. Metabolic Effects of a Commonly Used Combined Hormonal Oral Contraceptive in Women With and Without Polycystic Ovary Syndrome. J Womens Health (Larchmt). 2016;25(6):638–645.
- Morais JBS, Severo JS, de Alencar GRR, et al. Effect of magnesium supplementation on insulin resistance in humans: A systematic review. Nutrition. 2017;38:54-60.
- De Cicco S, Immediata V, Romualdi D, et al. Myoinositol combined with alpha-lipoic acid may improve the clinical and endocrine features of polycystic ovary syndrome through an insulin-independent action. Gynecol Endocrinol. 2017;33(9):698-701.
- Laganà AS, Garzon S, Casarin J, Franchi M, Ghezzi F. Inositol in Polycystic Ovary Syndrome: Restoring Fertility through a Pathophysiology-Based Approach. Trends Endocrinol Metab. 2018;29(11):768-780.
- Miao C-Y, Fang X-J, Chen Y, Zhang Q. Effect of vitamin D supplementation on polycystic ovary syndrome: A meta-analysis. Exp Ther Med. 2020;19(4):2641-2649.
- An Y, Sun Z, Zhang Y, Liu B, Guan Y, Lu M. The use of berberine for women with polycystic ovary syndrome undergoing IVF treatment. Clin Endocrinol (Oxf). 2014;80(3):425-431. doi:10.1111/cen.12294
- Jamilian, M., Foroozanfard, F., Bahmani, F. et al. Effects of Zinc Supplementation on Endocrine Outcomes in Women with Polycystic Ovary Syndrome: a Randomized, Double-Blind, Placebo-Controlled Trial. Biol Trace Elem Res 170, 271–278 (2016).
- Arentz S, Smith CA, Abbott J, Fahey P, Cheema BS, Bensoussan A. Combined Lifestyle and Herbal Medicine in Overweight Women with Polycystic Ovary Syndrome (PCOS): A Randomized Controlled Trial. Phytother Res. 2017;31(9):1330–1340.
- Thakker D, Raval A, Patel I, Walia R. N-acetylcysteine for polycystic ovary syndrome: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled clinical trials. Obstet Gynecol Int. 2015;2015:817849.
- Tagliaferri V, Romualdi D, Scarinci E, et al. Melatonin Treatment May Be Able to Restore Menstrual Cyclicity in Women With PCOS: A Pilot Study. Reprod Sci. 2018;25(2):269-275.
- Sanada K, Montero-Marin J, Barceló-Soler A, et al. Effects of Mindfulness-Based Interventions on Biomarkers and Low-Grade Inflammation in Patients with Psychiatric Disorders: A Meta-Analytic Review. Int J Mol Sci. 2020;21(7):2484.
- Guyon A, Morselli LL, Balbo ML, et al. Effects of Insufficient Sleep on Pituitary-Adrenocortical Response to CRH Stimulation in Healthy Men. Sleep. 2017;40(6)
- Briden, L. The Period Repair Manual 2nd Edition. CreateSpace Independent Publishing Platform, 2017
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